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CULPA-SEPARAÇÃO JUDICIAL
Revista do Advogado da ASSP nº 29 - AGOSTO/89


 

Realmente é minha intenção, ao invés de abordar o tema na forma de enunciação de conceitos, opiniões doutrinárias ou entendimentos jurisprudenciais, chegar até os senhores equacionando a questão, basicamente, naquilo que, efetivamente, interessa ao advogado militante, não a um aluno.

Presumo (e espero que com um pouco de verdade), que a parte doutrinária já tenha sido objeto de ensinamentos nas faculdades, ou, quando não, encontrável estaria ela nos compêndios sobre a matéria.

Tenho para mim que os meus colegas não vieram aqui para me ouvir, simplesmente, repetir aquilo que nos livros escrito está. Claro que não poderei abandonar, de vez, a doutrina e a jurisprudência, muito menos os textos legais concernentes ao tema. Procurarei fazê-lo, todavia, apenas no essencial e de forma a menos maçante possível.

É intenção desta palestra trazer aos senhores uma visão geral sobre a culpa na separação judicial litigiosa e suas conseqüências, trazendo, a nível prático, aquelas questões que, na grande maioria das vezes, chegam à apreciação de nossos tribunais na dissolução da sociedade conjugal.

Pela própria natureza desta palestra o assunto será tratado de forma sumária, abordando os aspectos principais da matéria e, ao final, algumas observações de ordem prática, dentro do mister da advocacia para casos litigiosos, quer estejamos advogando para o homem, quer para a mulher.

Na verdade o advogado está obrigado a saber que uma questão pode ser ganha, ainda que a parte de mérito não seja favorável ao seu cliente. Equívocos processuais da parte contrária podem ajudar a obstacular o andamento do feito, evitando-se a sentença de mérito e liquidando o caso com a matéria prejudicial.

Idêntico raciocínio na abordagem tática da causa que, por várias vezes, pode, senão deixar o cliente vencedor, pelo mérito, na verdade torná-lo vencedor na prática, ainda que vencido seja na causa.

Interessam os resultados, não a vitória no papel. Em caso de separação esta visão assume importância fundamental.

Um simples exemplo, apenas para esclarecer o que acima se disse, está na defesa de direitos e interesses de marido ou mulher em separação litigiosa onde, na realidade, a questão mais importante esteja na partilha de vultoso patrimônio, sob o regime da comunhão universal.

Doutrina, jurisprudência e legislação não deixam margem a dúvidas: meio a meio. Desnecessário, assim, o advogado para acompanhar a partilha, não existisse a matéria processual e, principalmente, a tática de abordagem da questão, dependendo do lado em que se esteja, como adiante se verá.

Efetivamente, como veremos, a abordagem tática, dependendo do lado em que estivermos, assume caráter primordial para se obter a melhor solução a cada caso concreto.

Exemplo um pouco mais corriqueiro, apenas para demonstrar o afirmado, estaria nas execuções, anteriormente à correção monetária. A procrastinação, via dos expedientes processuais, equivalia, na verdade, a efetivo ganho de causa. Pagava-se o credor com a inflação.

Especificamente sobre o tema desta noite, não posso deixar de voltar, ainda que rapidamente, ao direito anterior à lei 6.515/77 (chamada Lei do Divórcio), mesmo porque ainda nos ressentimos de boa parte das influências de questões julgadas na vigência do antigo texto aplicável aos desquites, em muitos aspectos, ou ainda aplicáveis a casos presentes, ou pelo menos influenciando questões atuais.

Aliás em uma das várias conversas que tive com o mestre Silvio Rodrigues, mostrou-se ele ainda fiel ao termo "desquite", preferindo-o mesmo à separação, agora consagrado no novo texto.

Realmente, na verdade, ainda não conseguimos abandonar, de vez, a forma antiga, "maxime" quanto às questões que abrangem a culpabilidade na separação.

No direito anterior, ainda na fase do antigo "desquite", determinava o art. 317 do Código Civil que a sociedade conjugal poderia ser dissolvida, de forma litigiosa, ou seja, com culpa de uma ou de ambas as partes, caso ocorresse o adultério, tentativa de morte, sevícia, injúria grave ou abandono do lar por mais de dois anos.

Enumerava, assim, o legislador, expressamente, as causas para o desquite litigioso (se por consenso diante estávamos do chamado desquite amigável).

Para se por fim à sociedade conjugal, assim, à luz daquele dispositivo legal, teríamos que provar um daqueles fatos expressamente enumerados na lei. Nenhum outro.

Quanto ao adultério, acredito que todos saibam o que vem a ser (pelo menos na teoria...claro), cumprindo fazer apenas a diferenciação da forma como era ele encarado para os efeitos civis ou criminais. Para este último o flagrante era (e é) essencial . Na verdade está meio em desuso o adultério como crime (recentemente a revista Veja trouxe um caso, parece-me que em Porto Alegre, de um cavalheiro que resolveu levar o caso até o fim e obteve a condenação da mulher; na verdade, tal condenação virou uma raridade.

Mas se para o crime o flagrante é exigência absoluta, no cível nem tanto. Se obtido, melhor, mas na realidade vem ele sendo provado por outros meios, contundentes, circunstanciais, indiciários, de sorte que a prova, no cível, é mais fácil que no crime. A presença do cônjuge infiel no apartamento de terceira pessoa, com quem costumeiramente já vinha sendo visto em público, em atitudes românticas, troca de cartas, escritos de outra ordem, enfim, uma série de fatos que isolados, seriam apenas injuriosos, admitem a comprovação final do adultério. Assim era admitido no direito anterior, o mesmo a dizer atualmente, até com maior flexibilidade probante.

Ninguém que seja surpreendido saindo de um motel poderá alegar inocência plena. Não é necessário o "solum cum sola in eodem lecto". É suficiente o "Solum cum sola in solitudinem. Vem daí o quase adultério, também capaz de conduzir à separação. Aqueles atos indisfarçáveis a demonstrar que o adultério ainda não aconteceu ninguém sabe como.

A separação de fato, por outro lado, não serve de desculpa para afastar o adultério (art. 3. da Lei do Divórcio diz que a separação judicial p·e termo ao dever de fidelidade), nem a comprovação de que atos do outro cônjuge, na verdade, teriam contribuído para isto. Não se compensam as culpas.

O ADULTERIO CASTO - inseminação artificial - não é adultério, mas poderá ser injurioso se não consentido pelo outro, quer a gravidez, quer a oferta de semen. Na verdade a fecundação é elemento da genitalidade e não da sexualidade. Não há conjunção carnal. Inexiste o adultério.

A sevícia, os maus tratos, as agressões, bem como o abandono do lar por mais de dois anos, dispensam quaisquer explicações, o mesmo a dizer da tentativa de homicídio.

À injúria grave voltarei, de forma um pouco mais detalhada, adiante.

Estes, de forma sumária, os fatos que autorizavam o desquite, anteriormente.

A LEGISLAÇÃO ATUAL

A legislação atual, seguindo o modelo francês e, mais remotamente, o alemão, preferiu estabelecer, no art. 5. da Lei n. 6.515 de 26 de dezembro de 1977, a chamada "Lei do Divórcio" que:

"A separação judicial poderá ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum".

Já se vê que o grave, o desonroso, a insuportabilidade, aspectos de muita subjetividade, acabam aumentando o poder arbitrário do juiz, cuja personalidade pode até influenciar na decisão, seja mais ou menos conservador, por exemplo.

Críticas têm sido feitas à forma genérica adotada pelo legislador de 1977, autores de peso preferindo que as causas fossem expressamente previstas na legislação, como antigamente, ainda que aumentadas aquelas hipóteses do direito anterior.

Alinham-se nesta corrente Miguel Reali, Orlando Gomes, Yussef Said Cahali e outros além de inúmeros projetos que ampliavam ditas causas, trazendo a embriaguez permanente, vida e costumes desonrosos, o homossexualismo, as aberrações sexuais, a condenação por crime infamante, uso de entorpecentes e a própria impotência "coeundi" como expressas causas para a separação.

Exatamente porque muitas são as cabeças, para cada qual uma sentença, que prefiro a forma atual.

Prefiro a forma atual, mesmo porque nenhuma legislação conseguiria enumerar todas as causas que poderiam levar um casamento à falência, tantas são as possibilidades e as formas de reações humanas a determinados fatos que, se para alguns atingiriam as raias da insuportabilidade, outros não as levariam a tal extremo ( "tem quem goste" ).

Por outro lado a sociedade contemporânea é mais liberal e dinâmica, de sorte que a enunciação precisa de causas para a separação, em pouco tempo, poderia cair no desuso.

Na verdade, sob o manto protetor da injúria grave, mesmo no direito anterior, abriu a Jurisprudência um leque de possibilidades, como a dar razão à Beudant, para quem a "injúria grave seria tudo quanto um hábil advogado consegue,como tal, inculcar", ou mesmo a Savatier, que afirmava que "o museu da injúria grave enriquecia-se sem parar".

O próprio Washington de Barros Monteiro, analisando a injúria grave em seu Curso de Direito Civil, muito antes da aprovação da lei do divórcio, após várias considerações sobre a injúria grave afirmava, em conclusão:

"Em face da doutrina e da jurisprudência, consideram-se como injúria grave os seguintes fatos: a) - toda infração séria aos deveres conjugais..."

A seguir enumerava mais um abecedário inteiro de outros fatos que estariam a constituir a injúria grave, passando pelo ciúme doentio e infundado, até a oposição ao acesso da sogra ao lar conjugal (neste caso, às vezes, não se trata de injúria grave, mas de auto-defesa!).

Tantas eram as causas aceitas como injúria grave que, sem medo de errar, posso afirmar que o legislador de 77, mesmo amparado no modelo francês e alemão, efetivamente traduziu em lei aquilo que nossos tribunais já vinham pacificando, ou seja, de se aceitar como causas para a dissolução da sociedade conjugal, qualquer conduta desonrosa ou ato que importasse em grave violação dos deveres do casamento.

Infração ao dever de lealdade e respeito à honra e à dignidade do outro cônjuge; defeitos pessoais, intimidades desabonadoras, imputação graciosa em processo de adultério ou injúria, mas levianamente, com excesso ou exorbitância, vez que o exercício regular de um direito, em tese, não seria injurioso.

A conduta desonrosa de que fala a lei, seria outra causa para caracterizar a culpa na separação. Seria a falta de um comportamento ético, ainda que fora do casamento, a ferir a honra, o decoro do outro cônjuge. Segue em uma linha muito próxima da injúria: o leque, também, é vasto e o hábil advogado saberá deduzir elementos capazes de fazer a convicção do julgador: seria a condenação por crime infamante, estupro, sodomia, alcoolismo crônico, crimes ou mesmo desvios administrativos, com culpa ou com dolo, a corrupção, a falsificação, o próprio estelionato sucessivo, homicídio, corrupção de menores, vadiagem, exploração do lenocínio e até a macumba.

A condenação penal, ainda que negada, não afasta a imputabilidade a nível cível, podendo ser apreciada pelo magistrado.

Dever de assistência - abandono moral (conforto na morte do filho, na doença grave) ou material (não prestação de alimentos) - exigido pelo art. 231, III do Código civil.

Finalmente PEDRO SAMPAIO ainda lembra a transexualidade (mudança de sexo), como fato capaz de conduzir à separação.

A INSUPORTABILIDADE

Complementou o legislador:

"e torne insuportável a vida em comum".

Ou seja, não basta a causa. Esta tem que tornar insuportável a vida em comum.

Também tal colocação veio na esteira de decisões de nossos tribunais, muitas das quais viam, no perdão, condição capaz de evitar fosse decretado o desquite, além da própria previsão legal então consubstanciada, apenas para o caso de adultério, no parágrafo único do art. 319 que via, na coabitação posterior ao adultério, o perdão a impedir a dissolução da sociedade conjugal por aquele motivo.

Os tribunais estenderam o perdão até para outras causas de separação, de sorte que aquelas antigas não poderiam servir de sustentação ao pedido, a não ser que revividas por outras novas, somadas àquelas.

A Lei do Divórcio, destarte, deixa evidenciado que a causa, a ser considerada, deve ser aquela que tornou insuportável a vida conjugal, apreciada esta insuportabilidade, assim, à luz das provas e mesmo do imediatismo dela.

O adultério, a agressão física ou verbal, a saída temporária de um dos cônjuges e outras causas que, desde logo levantadas pela parte inocente, poderiam conduzir à separação, se superadas ao longo do tempo, não mais serviriam de suporte à ação, vez que o elemento da insuportabilidade não mais estaria presente. Seria o perdão de que já falavam nossos tribunais.

Esta mesma insuportabilidade traz embutida, também, outra questão analisada, sob a égide do direito anterior, na apreciação dos atos ou fatos que constituíam injúria grave, qual seja, a própria condição econômica e cultural dos cônjuges, a tradição, a raça e os costumes, de tal forma que o xingamento, com palavras de baixo calão, tão afrontoso para um casal de recato e de hábitos culturais nobres, pode não se revestir de gravidade nas camadas menos favorecidas, onde o palavrão faz parte de seu cotidiano.

Da mesma forma costumes centenários de determinadas raças ou povos podem se constituir em gravíssima ofensa a outras culturas. Sabidamente o latino reage de forma diferente ao saxão na apreciação de várias questões que envolvem a paixão humana. O uso exagerado do álcool, ainda que não levando à embriagues, tolerado, com serenidade, pelos alemães e escoceses, encontra obstáculo intransponível e inaceitável se visto sob o prisma de determinados cultos que não o admitem.

Ao apreciar a causa, destarte, o magistrado tem que levar em conta a insuportabilidade da vida conjugal, no contexto dos cônjuges, de tal forma a admitir ou não a culpa à vista da situação como um todo. "Não é a sensibilidade de cada cônjuge que decide, mas o superior critério do magistrado", no dizer do mesmo Washington de Barros Monteiro.

Portanto, na legislação atual, tudo aquilo que possa conduzir o magistrado a entender que a vida conjugal teria se tornado insuportável acaba se transformando em ofensa às obrigações conjugais, sendo mesmo certo que, por vezes, quando nada se tem contra o cônjuge, há aqueles que trazem à apreciação do judiciário questões de difícil prova e que, por isso mesmo, acabam sendo ajuizadas para forçar uma separação eventualmente negada pelo outro cônjuge.

Exemplo típico é a falta de cumprimento ao débito conjugal. Aliás débito é um nome errado, posto que deve existir, na verdade o prazer: se passar a débito o casamento já desmoronou...

Pela própria característica da acusação, diretamente somente poderia ser provada pela confissão de um ou outro cônjuge (não confundir com alegação de impotência que admitiria até prova técnica) ou, via indireta, por testemunhas confidentes de uma das partes. Até por serviçais, atestando que o casal não se relaciona, não freqüentam, marido e mulher, o mesmo leito, dormindo em quartos separados.

A alegação, todavia, vem a Juízo para forçar a separação, mesmo porque a parte contrária poderá reconvir e, aí sim a separação será decretada, ainda que por culpa do Autor-Reconvindo, de sorte a atingir o objetivo principal que era o de se obter a dissolução da sociedade conjugal.

Dir-se-á que, na falta de reconvenção e da dificuldade da prova, poderia a ação ser fadada ao insucesso.

Probabilidade, realmente, existe, mas dificilmente o advogado que patrocinar os interesses da parte acusada deixará de reconvir, vez que, na prática, a falta de reconvenção deixa muito vulnerável a defesa dos interesses da parte como um todo.

A mulher não dá a separação até em defesa do patrimônio, protegendo os filhos. Se dividir, pensa, a outra pega e os filhos perdem.

Realmente há uma tendência (que vem aumentando, sistematicamente), dos julgadores acabarem por decretar a dissolução da sociedade conjugal quando percebem a falência do casamento.

Esta tendência liberalizante, por óbvio, acabará por depor contra os interesses daquele que, apenas, venha se defender, sem alegação da culpa de seu acusador.

AS PROVAS

As provas da culpabilidade são as mais variadas, dentro de toda gama daquelas permitidas em direito, sejam os exames periciais para determinado tipo de acusação (impotência, sevícias etc., até o adultério - doença venérea, p.ex.), a pesquisa por assistência social (prova muito importante, vez que pode provar o mérito - ex. de guarda de filhos onde estes contam tudo, agressões, adultérios etc). os documentos ( escritos denunciando envolvimento emocional com terceiros, ofensas, provas fotográficas etc.) e, basicamente, a prova testemunhal que, no direito de família, assume importância capital, principalmente em questões da culpabilidade.

Gravações, mesmo por telefone: admitida face ao art. 332 do C.P.C., mas a autenticidade é de difícil comprovação dados os recursos técnicos para alterá-la. Embora mais seguros os filmes guardam a mesma falha. Os tribunais são rigorosos na apreciação da prova mecânica, as gravações. Melhor trazer a testemunha, ainda que esta escute a gravação.

Na verdade tudo e todos são admitidos em depoimentos, inclusive pai, mãe, filhos, amigos e inimigos, a teor do quanto estabelecido no parágrafo quarto do art. 405 do C.P.C.

A contradita das testemunhas, nestas questões, de fato trazem pouco resultado, vez que, sabidamente, nesta matéria, sempre delicada e voltada à intimidade do casal, somente pessoas mais chegadas poderão trazer subsídios ao deslinde da questão.

Os julgadores, realmente, ouvem todas e, ainda que aceitem a contradita, no sentenciamento dão valor aos depoimentos, mesmo tomados sem o compromisso legal, desde que, claro, se coadunem com as demais provas dos autos.

Declarações firmadas de favor por pessoas não impedidas de depor têm sido afastadas, posto não sujeitas à contradita ou às reperguntas.

Os depoimentos pessoais das partes, que em questões comerciais são quase que desnecessários, não podem ser desprezados na grande maioria das questões voltadas à culpabilidade, seja pela sempre constante ameaça de contradição com as demais provas dos autos (o que acaba por prejudicar aquele que se mostrou dissociado da verdade), seja pela própria pressão a que estão submetidas as partes, dificilmente capazes de esconder sua própria culpa.

No meu entender este depoimento somente não deve ser pedido quando a robustez das demais provas o tornem prescindível.

CONSEQÜÊNCIAS DA CULPA

Vista a matéria de provas, passemos às conseqüências da culpabilidade na separação e aí a tática é importante..

A culpa, na separação, acabará por determinar uma série de circunstâncias que irão gerir a vida do casal, então separado.

A decretação da separação judicial, assim, por culpa de uma ou de ambas as partes (recíproca), produz efeitos que devem ser analisados.

A primeira conseqüência de culpabilidade ou não pela dissolução da sociedade conjugal decorre do art. 17 da Lei do Divórcio, de tal ordem que, se vencida na ação de separação, reconhecida, destarte sua culpabilidade, perde a mulher o direito a usar o nome do marido; idêntica solução no caso de culpa recíproca. Se vencedora, todavia, poderá optar pela mantença ou não do patronímico marital.

No dizer de YOUSSEF SAID CAHALI,

"trata-se de penalidade que se insere na sentença de separação por culpa; pois se ela se conduziu mal, não pode pretender conservar o uso de um nome que desonrou com sua conduta".

Bem de ver, dessarte, que tal penalidade é uma típica preocupação da mulher, vez que ao homem tal efeito não se produz.

Segunda conseqüência da culpabilidade está no direito a haver e no dever de prestar alimentos.

Aspecto crucial nas separações, principalmente quando a mulher os quer, de forma absoluta, enquanto o varão deles pretende fugir, como o "diabo foge da cruz", ciente de que o débito alimentar representa uma espada sempre colocada sobre sua cabeça, pelo menos em tese, de forma vitalícia.

O art. 19 da Lei do Divórcio estabelece que o cônjuge responsável pela separação tem o dever de prestar alimentos ao outro.

Melhor seria que dito dispositivo determinasse o pagamento de pensão ao cônjuge inocente, como aliás constava do projeto inicial da lei do divórcio. O direito anterior assim já tratava a matéria e o Código Civil fala em inocente e pobre para fazer jus à pensão (art. 320). O "responsável", usado, é dúbio: responsável tanto pode ser o culpado, como o inocente que ingressou com a ação, sendo por ela responsável.

Na verdade entende-se, serenamente, que a lei quis falar, em responsável, aquele que deu causa.

Mas nem sempre quem dá causa paga pensão.

Isto porque, no caso de culpa recíproca, o débito alimentar não é devido, de tal forma que o cônjuge culpado, assim, não deve prestar alimentos ao outro, também culpado, tornando capenga a disposição legal.

Ainda é o mesmo YUSSEF CAHALI quem afirma que

"também pelo citado art. 19, a perda do direito de alimentos pelo cônjuge vencido, que deu causa à separação judicial, é efeito lógico da sentença de procedência, não havendo necessidade de sua explicitação ou declaração".

Também aqui se percebe que a declaração de culpa interessa mais ao homem que à mulher.

Esta que, culpada, perde o direito de usar o nome do marido (este nada perde), também culpada perde os alimentos (enquanto o marido culpado, na prática, também nada perde, já que, na esmagadora maioria das vezes, o homem é quem teria que prestar alimentos).

Terceira conseqüência da culpabilidade diz respeito à guarda dos filhos, matéria regulamentada pelo art. 10 da Lei citada.

Os filhos menores ou maiores inválidos ficarão na guarda do cônjuge inocente e, se culpados ambos (a culpa recíproca), na guarda materna, a não ser que o arbítrio do Juiz entenda não ter ela condições para tanto.

Dito dispositivo fala que tal arbítrio estaria na verificação de que possa advir prejuízos de ordem moral aos filhos o que, na prática, tem levado os magistrados à realização de perícias, quer psicológicas (ou mesmo psiquiátricas), quer pesquisas por assistentes sociais, de sorte que a solução acaba não ficando apenas dentro dos aspectos morais, como quis o legislador, mas conforme as reais condições dos genitores, como um todo, decidindo, a final, levando em conta os interesses dos filhos.

Poderá, até, declinar a guarda a parentes de quaisquer dos cônjuges, se verificar que nenhum deles tem condições de ter os filhos sob sua guarda.

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, adverte que somente casos de suma gravidade poderiam levar o julgador a, valendo-se deste arbítrio, retirar os filhos da guarda ou do pai ou da mãe, entregando-os a terceiros.

Na grande maioria dos casos os tribunais não tem encontrado dificuldade em encontrar, dentre um dos genitores, aquele que deva permanecer como guardião da prole.

Também aqui a perda da guarda dos filhos, sistematicamente é mais sentida pela mulher, mãe, por sua própria natureza e, mesmo, pela crítica velada que a própria sociedade faz à mulher que, por sentença, perdeu os filhos, sinal inconteste de que teria afrontado gravemente os deveres conjugais.

Ao homem, costumeiramente concorde em que a guarda fique com a mãe, a sociedade não faz esta cobrança.

Finalmente deve-se ter em mente que a culpabilidade, que traz os efeitos acima analisados, no que compete à partilha de bens em nada influi.

Neste caso prevalece o regime adotado por ocasião do casamento, de tal sorte que, mesmo o cônjuge culpado, nada perde em relação ao patrimônio, ficando sujeito, apenas e tão somente, às regras do regime matrimonial escolhido.

Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (RJTJSP 30/16) deixou assente o entendimento de que a culpabilidade sequer impede o exercício da inventariança, por ocasião da partilha.

CONCLUSÕES

No dia a dia da advocacia o profissional do direito vai deparar com um sem número de casos a exigir, não somente a apreciação do direito, das normas reguladoras, mas principalmente, a abordagem tática eficiente na defesa dos direitos e interesses de seu constituinte, como anteriormente já afirmei.

A matéria da culpa na separação litigiosa deve ser tratada com muito critério, principalmente ante as conseqüências dela resultantes e acima rapidamente analisadas.

Na defesa dos interesses do varão, a meu ver, a preocupação de defendê-lo da culpabilidade não é tanta quanto aquela de comprovar a culpa da mulher. Isto porque, ainda que culpado seja, nenhuma conseqüência desastrosa disto poderá advir, desde que consiga provar a culpa recíproca.

Na verdade os efeitos da culpa, para o homem, como visto, são minimizados pela sua própria posição, quer na sociedade, quer na tradição brasileira, quer mesmo à sua própria forma de encarar os efeitos da separação.

A perda do nome não o atinge. A perda dos alimentos, muito menos. A própria guarda dos filhos são poucos os que a querem e, mesmo estes, às vezes mais por birra do que propriamente por não verem na mãe condições de educá-los. Outros deixam de cumprir até a visitação regular.

Mais importante, então, já que sua eventual culpa não lhe trará tantos transtornos, nem influenciará na partilha, será amealhar forças para comprovar a culpa da mulher, de forma que, ante a reciprocidade, livrar-se-á do ônus alimentar, "fantasma" que atormenta todo separando.

Já a defesa dos interesses da mulher exige forças iguais para ambos os objetivos. Defendê-la com denodo e atacar com a mesma combatividade, de sorte a conseguir inocentá-la, deixando culpado o varão, com as obrigações já abordadas.

Sequer a culpa recíproca pode interessá-la, a não ser que sua ofensa aos deveres conjugais tenham sido de tal ordem e tão evidente que a reciprocidade, na verdade, seria a única saída para lhe garantir a guarda dos filhos. Adultério, por exemplo.

O fantasma da perda dos filhos, à vista do estabelecido no art. 10 da Lei do Divórcio, acompanha a mulher de perto, deixando o profissional da advocacia sempre atento para que, no desfecho da lide, não venha ela a perder suas criaturas.

Não perceber alimentos não se compara à perda da guarda, restando evidenciado que, na separação litigiosa, a defesa dos direitos da mulher preocupa muito mais.

Por outro lado, "empatar a briga", como diz o vulgo, não é tarefa muito difícil, pois sempre sobra, ao longo de uma vida conjugal, uma injúria ou outra que um hábil advogado pode fazer o magistrado considerar.

Esta é a nossa visão, vivenciada na advocacia de família, onde a mulher, na grande maioria das vezes, se apresenta mais atormentada, necessitando de amparo legal e psicológico, capaz de conduzi-la a enfrentar um litígio desgastante, mesmo para os profissionais da advocacia.

Agora um conselho: a pior das brigas, neste ramo, é pela guarda de filhos. Dificilmente os advogados e os juizes conseguem resolver, a contento, o que os pais não conseguiram. Mesmo existindo culpa de um ou de outro, a melhor orientação que o advogado deve dar a seus clientes, é evitar que a demanda vá desaguar na verdadeira batalha pela guarda que deixará, inegavelmente, como derrotados, os menores.

É o que tinha para sujeitar à apreciação dos senhores, trazendo um pouco da minha experiência, podendo concluir, sem medo de errar, que, embora desgastante, o direito de família é aquele que nos gratifica mais, talvez por vivenciarmos as paixões humanas, buscando compreendê-las e equacioná-las.


Muito obrigado.

DILERMANDO CIGAGNA JUNIOR
OAB/SP n. 22.656

 

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